sábado, 12 de março de 2011

O programa de vida de consagração dos/das religiosos/as à luz da bíblia



O significado bíblico do verbo hebraico “qâdash” e do verbo grego “haghiázô” é passado para o português principalmente através dos verbos latinos “sanctificare” e “consecrare”. O termo “santo e consagrado”, derivado do latim, tem um sentido que corresponde ao hebraico “qâdoch” e ao grego “hághios”.
A primeira vista poderia parecer abusiva à atribuição das formas: consagrado ou vida consagrada a um determinado grupo de fieis, dado que, segundo a Bíblia, todos na Igreja têm o direito-dever de viver como santos ou consagrados, conduzindo uma vida santa ou uma vida consagrada. Todavia, examinando com a devida atenção a questão da linguagem e dos conceitos bíblicos, se podem constatar as improcedências de tal raciocínio.
Na Bíblia, a santidade ou a consagração tem uma grande variedade de expressões e de aspectos. Este não é um conceito monolítico ou monocromático, para atribuir ou para negar, as coisas ou as pessoas, mas sempre em modo unívoco.
No sentido mais original e radical, ou seja, em sentido absoluto, o termo “santo” deve ser aplicado unicamente a Deus, que já no Antigo Testamento Ele se revela como o “Santo, Santo, Santo” (Is 6,3). Deus é santo por si mesmo e é também o princípio de toda santidade e de toda consagração. As pessoas humanas e as criaturas são santas ou consagradas pela ação santificadora de Deus, ou seja, pela irradiação da Sua santidade.
Na revelação do Novo Testamento, o hino “Santo, Santo, Santo” com o qual os serafins louvam a Deus, adquire um sentido trinitário e torna-se “Padre Santo, Cristo Santo e Espírito Santo”. O triságio se faz trinitário e cristológico. Deus Pai, por meio de Cristo e no Espírito Santo é a causa e a fonte de toda santidade e de toda consagração.
A santidade das criaturas é sempre derivada. Esta é o efeito da irradiação do Deus Santo (cf. Ex 3,5). A irradiação da santidade de Deus sobre as pessoas humanas e sobre as coisas é variada e multíplice. Esta depende, em última instância, da autônoma vontade de cada um.
Segundo a Bíblia, é legitimo falar de terra santa, de cidade santa, de templo ou lugar santo e de santo dos santos (Ex 26,34). Cada uma destas realidades pode ser chamada “santa”, mas ao seu modo, com as suas características e com seus limites. O uso e o escopo de tal apelativo devem ser valorizados à luz do contexto. O uso genérico e comum do termo, aplicável a todas as partes (pontos, cidades e lugares) do território da Palestina e Israel, não tira a legitimidade de um uso especifico da palavra (cidade santa ou lugar santo).
Também quando é aplicado às pessoas, o conceito oferece a variedade e a gradualidade da analogia. Na revelação do Antigo Testamento, todo o povo de Deus era “santo” e todos os israelitas tinham o direito-dever de ser santos (cf. Lv 20,26), mas não todos deviam ser “santos” ou “consagrados” no sentido, por exemplo, dos nazireus (cf. Nm 6), de Jeremias (Jr 1,5), ou de Isaias (Is 61,1). Quando Moisés foi injustamente criticado em nome de um senso monolítico da santidade (Nm 16,3: “Basta… Toda a comunidade, todos são santos”), o Senhor tomou a sua defesa, fazendo saber que Moisés, por especial vocação, era “santo” ou “escolhido” em modo particular (cf. Nm 16,5. 28; Ecle 45, 4).
Mesmo em nome da revelação do Novo Testamento se pode impor um uso monolítico do termo. Para Paulo, por exemplo, cada mulher cristã tem o direito-dever de ser “santa”, mas não no sentido especial de “santa no corpo e no espírito” (1Cor 7,34), próprio daqueles que, em uma vida de castidade consagrada, se empenham de ter como único esposo Cristo Senhor.
Para mostrar o elemento divino e o elemento humano da consagração dos seres humanos, se usa uma dupla formula teológica: “consagração passiva” e “consagração ativa”. A consagração passiva é aquela na qual a pessoa humana é sujeito passivo, enquanto Deus é o sujeito agente: a pessoa humana é consagrada a Deus, ou seja, Deus consagra a pessoa humana. A consagração ativa é aquela na qual o sujeito agente é a pessoa humana, que se consagra a Deus. A consagração é um mistério: é o resultado da iniciativa divina e da colaboração humana. A prioridade, do ponto de vista bíblico e teológico, corresponde sempre a Deus.
A consagração passiva tem sempre um caráter prioritário de Deus. Pode ser expressa com outras formas significativas: a pessoa humana é escolhida, eleita, separada, ungida, compreendida por Deus. Mais freqüente é o uso de outras formas similares para a consagração ativa: a pessoa humana se empenha totalmente, se esvazia, se doa, se entrega, se oferece, faz oblação de si mesma a Deus.
Cristo, o Verbo de Deus Encarnado, o homem perfeito, além do Filho do Pai, é o consagrado por excelência, tanto no sentido passivo, como no sentido ativo da expressão. Cristo foi consagrado no supremo dos modos por Deus Pai (cf. Jo 10,36; At 10,38), e Ele, acolhendo tal consagração, se consagrou no supremo dos modos ao mesmo Deus Pai (cf. Jo 17,19). Escolhendo, na docilidade ao Pai, a forma de vida consagrada, revelou os valores mais genuínos da consagração religiosa total.
Por iniciativa do Pai, Cristo, consagrou os apóstolos, escolhendo-os para uma forma de vida especial (Jo 15,16). Acolhendo a consagração de Cristo, estes se consagraram a Ele, deixando tudo para viver com Ele, como Ele e para Ele.
Desta prospectiva bíblica se pode ter uma visão harmônica da identidade e da missão da consagração religiosa total na Igreja. É principalmente sobre a base da existência e das características da figura bíblica de Jesus de Nazaré e da figura bíblica dos apóstolos que se apóia a doutrina dos orientamentos da Tradição, do Concilio e do Magistério pós-conciliar sobre a consagração religiosa total, e em particular, sobre a dimensão cristológica. A figura de Jesus, supremo consagrado, e a figura dos apóstolos, chamados com especial vocação e consagrados com peculiar titulo, é um ponto de referência indispensável para poder determinar o lugar da consagração religiosa total na Igreja e no mundo. Os consagrados religiosos professam uma forma de vida que manifesta uma particular semelhança, e exprime uma especial participação à forma de vida consagrada de Jesus e dos apóstolos, que, deixando tudo, o seguiram.
Os consagrados religiosos não são toda a Igreja e nem mesmo constituem uma Igreja a parte: é uma parte especial da Igreja, são os fieis que, no interno da comunhão da Igreja santa ou da Igreja dos consagrados, vivem em família o dom e o compromisso de uma peculiar consagração, que possui um caráter eminentemente cristológico. Os consagrados religiosos têm uma identidade própria na Igreja-Sacramento: são a epifania do Cristo Consagrado, enquanto, segundo cada carisma, eles mostram ao mundo o rosto de Cristo obediente, casto, pobre e totalmente dedicado ao Pai e às coisas do Pai.

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