quinta-feira, 10 de março de 2011

Ética e Imprensa e a Ética da Imprensa


Ao contrário do que se imagina, o debate em torno do tema ética jornalística é intenso tanto na Europa como nas Américas. E verdade que com o avanço da democracia no Brasil, multiplicam-se as visões sobre conceitos pouco palpáveis como liberdade de imprensa, imparcialidade e informações fidedignas.

Acertadamente exige-se responsabilidade do jornalista, porém deve-se lutar por uma atuação mais presente da sociedade. Em 1956, o pensador Theodore Peterson resumiu em 7 (sete) pontos as suas críticas ao que chamou de "deficiências mais evidentes da imprensa":

1. tem concentrado um enorme poder para os seus próprios fins. Seus donos têm divulgado apenas suas opiniões, especialmente em assuntos econômicos e políticos, em detrimento de opiniões contrárias;

2. tem sido subserviente às grandes empresas e, às vezes, tem permitido que os anunciantes controlem a linha editorial;

3. tem sido resistente à mudança social;

4. tem dado mais atenção ao superficial e ao sensacionalista do que ao realmente significativo na sua cobertura dos acontecimentos;

5. tem colocado em perigo a moral pública;

6. tem invadido a privacidade das pessoas;

7. está controlada por uma classe sócio-econômica vagamente definida como "classe empresarial", que dificulta o ingresso de novas pessoas no negócio, colocando assim em perigo o livre e aberto mercado das idéias (1).

Para coibir estas imperfeições, os meios de comunicação têm apelado para normas de redação, códigos de ética, constituição de críticos internos (onde cintilam figuras como os ombudsmen), e a criação de conselhos de imprensa.

Aos ouvintes, telespectadores e leitores tem-se destinado a seção de cartas e departamentos de atendimento aos consumidores. É pouco. Até mesmo os conselhos de imprensa estão deficientes e também não funcionaram onde nasceram: nos Estados Unidos. Em 73, foi criado lá o Conselho Nacional de Imprensa e, em 22 de março de 84, os seus membros decidiram fechar as portas. Razões específicas e internas.

A iniciativa poderia servir como estímulo ao diálogo entre os próprios jornalistas e um canal a ser usado com a sociedade. A rigor os jornalistas pregam o direito a crítica no quintal dos outros. Quando se trata de dissecar as suas próprias feridas, brota o sentido de corpo e urge a raiz autoritária, tão entranhada em nossa gente. Soma-se a isso o medo da própria sociedade em questionar a média. Os norte-americanos nos impuseram a imagem "inquestionável" do 4° poder. Bobagem!

Diariamente a imprensa e a média eletrônica erram. Esta verdade é indiscutível. O que está em foco hoje, no entanto, são agressões a conceitos éticos nem sempre definidos, mas captados. A ética pode morrer na filosofia, provavelmente não na matemática. Ética, em jornalismo, é moral. Moral na sociedade e mutável. Certa vez, um velho homem da imprensa já cansado de tanto blá-blá-blá sobre esse assunto provocou a platéia: "É preciso haver alguém em uma organização para dizer aos outros como fazer um trabalho honesto e responsável?"

Posturas e Condutas

O jornalismo precisa fugir da falsa noção de notícia transmitida ao público. Hodding Carter (2) resumiu o caráter essencial da profissão como uma busca constante de notícias, mas com responsabilidade, independência, verdade, exatidão, imparcialidade e honestidade.

Poderíamos acrescentar mais um elemento, o direito à resposta. O lamento daqueles que se sentem vítimas da imprensa é não obter o mesmo espaço concedido a acusação. Freqüentemente, eles têm razão. Compete aos jornalistas manterem a eqüidistância. Conciliar a necessidade de noticiar com a verdade dos fatos. Parece cada vez mais absurdo transmitir uma notícia sem se ouvir os vários agentes envolvidos. A história dos dois lados é outra balela. Sempre existem muitos lados. Notícia não interessa a um único setor. Notícia é movimento, incomoda e molesta. Neste caso, não vale a máxima irrespondível: o que é verdade? E, sim, quantas verdades estão envolvidas nisso? Você despreza a ver são do fato?

Os aliados venceram a Segunda Guerra e lançaram sobre os erros fados a sua verdade. Hoje, os japoneses ameaçam se insubordinar através de outro campo de luta. Diz o parlamentar Shintaro Ishihara (3): "O chip de um megabyte usado nos bancos de memória de um computador tem um milhão de circuitos em uma base de sílica, que tem um terço do tamanho da unha do meu dedo mindinho. Esse componente vital só é fabricado no Japão. A indústria japonesa controla o mercado de maneira quase total. Os Estados Unidos têm know-how, mas faltam-lhe os engenheiros e os técnicos para produzir os chips. Sem um sistema integrado de criação e manufatura, o conhecimento, por preciso que seja, de nada serve". Nada como um dia depois do outro.

Voltemos para a discussão que envolve o indivíduo. Todos nós já ouvimos falar de difamação, calúnia e injúria. Difamação (revelar as falhas verdadeiras do próximo sem provas suficientes) e calúnia ou injúria (forjar uma falsa acusação contra o próximo, de modo a prejudicar sua reputação) (4). Na discussão política, estes limites são embaralhados pelos próprios envolvidos, e a imprensa é mais vítima do que promotora da discórdia. Esta constatação não pode impedir a análise crítica do papel do jornalista.

A imagem primitiva do "consiga a reportagem e publique-a" está sendo substituída por "muito bem, apure melhor, cheque todos os dados e publique-a". Ou seja, apesar da arrogância injustificada dos profissionais da informação, cresce a necessidade de parâmetros. Há um preconceito já sedimentado contra o sensacionalismo e a ação de sensacionalistas. O número de aulas sobre ética tem aumentado no pais. As universidades criaram cadeiras voltadas para o debate do cotidiano jornalístico. A discussão surge à margem de sindicatos e da própria Associação Brasileira de Imprensa. As entidades de classe são dirigidas por abnegados, ainda incapazes de mobilizar a categoria. É incrível a falta de prestígio destas representações quando o assunto é política salarial.

Já se disse que o jornalista é o especialista em generalidades. Hoje, o profissional está se aperfeiçoando. Em breve, em mais quantidade, teremos talentos conhecedores dos meandros da medicina como se médicos fossem. Esta segmentação não impedirá polêmicas como a capa da Revista Veja, que trouxe, em close, o rosto do cantor Cazuza, portador do vírus da AIDS, nos seus últimos dias. No futuro, como no presente, vozes ressentidas se voltarão contra a média agressora. Nesta hora se reacenderão opiniões sobre a ética jornalística.

Os repórteres devem saber combinar a denúncia com o dever de informar corretamente. Pode-se revelar uma notícia sem o ranço da denúncia barata. O charme do jornalismo investigativo é apurar, apurar e apurar. Neste caso, o público tem o direito de saber o que e público. "Interesse do governante não é sinônimo do governo. E interesse do governo não é sinônimo de interesse público. Não raramente, são antônimos". Outra preocupação ética: "O fato de que uma mentira está em boca alheia não elimina a responsabilidade de quem a veicula. Assim, o jornal pode considerar legítimo publicar a declaração que supõe mentirosa, mas tem o dever de informar ao leitor sobre razões de reserva ou descrença em face da afirmação".(5)

Medicina e Mídia-Conclusões

Além do exposto, vale a regra de que o exercício da ética jornalística dependerá da consciência de quem transmite as notícias ao público. O controle desta relação deve ser exercido por regras definidas e pela sociedade civil. Levando-se em conta que uma transmissão ao vivo é um bom momento para se testar a liberdade de imprensa de um veículo.

Daqui para adiante, a tecnologia se desenvolverá como uma força auxiliar do talento do jornalista. A informática já está nas redações. Parece absurdo ainda se utilizar a máquina de escrever manual. É impossível que a diferença entre ricos e pobres diminua com o entrelaçamento dos sistemas de redes eletrônicas. As informações secretas serão cada vez mais democratizadas. Os limites entre o público e o privado serão encurtados. A remuneração da mão-de-obra já é uma discussão ética. Como apostar no desenvolvimento com a perpetuação da miséria? E o mercado universal? Os jovens profissionais já disputam vagas sabendo que hoje deve-se dominar pelo menos dois idiomas. A rede de televisão norte-americana (CNN) é a primeira a comprovar a tese de que o jornalismo já é global, via satélite e com equipamentos portáteis de eficiente uso. Notícia é um negócio, notícia é um negócio valioso.

Diante deste quadro, a medicina está intimada a mergulhar na tecnologia como ponto de partida na cura de doenças. A diferença é que a sociedade precisa saber rápido destes avanços. As campanhas de vacinação, de controle de acidentes de trânsito, de orientação de cura de epidemias são alguns exemplos da importância da aproximação com os meios de comunicação. Os profissionais da área de saúde não podem se escusar de disputar cada segundo que a mídia oferecer. As grandes indústrias farmacêuticas já descobriram como combinar campanhas publicitárias com a fabricação de medicamentos em escala (e).

A propaganda de cigarros, por exemplo, é um bom elemento de discussão. Ela costuma ser ética? É pouco provável que ela venha a ser banida dos meios de comunicação, mas já esta sendo controlada. O melhor combate é a ocupação do espaço da informação. A imprensa conscientiza, a publicidade tenta convencer. Os médicos podem ser os poderosos instrumentos desta contra-informação. Os programas de rádio e TV e as reportagens publicadas em revistas e jornais devem ser cada vez mais fiéis à verdade científica. A saúde da população poderá melhorar, se as comunidades souberem como evitar o mal. A credibilidade do médico não é mais medida pela quantidade de tempo em que fica confinado no consultório. A história obriga-o a ir para os refletores e expor as suas idéias. Nesta hora, ele saberá, a exemplo dos jornalistas, porque o debate em torno da ética é intenso na Europa e nas América.

Bibliografia

1. Theodoro Peterson, Wilbur Schramm e Fred S. Siebert, Four Theories of the Press, (Ed. da Universidade de lilinois, 1936).

2. Hodding Carter Foreword, in Clifford G. Christians, Kim B. Rotzoll e Mark Fackler, "Media Etmics: Cases and Moral Reasoning" (Nova Iorque: Longmam, Inc, 1983).

3. Shintaro Ishihara, The Japan that can say no, Ed. Simon & Schuster, Nova Iorque, 1989.

4. Conceitos do Rev. Edward A. Malloy, C.S.C. in As Responsabilidades do Jornalismo, organização de Robert Schmuhl, Ed. Nórdica, 1984.

5. 0 Globo - Manual de Redação e Estilo, organizado e editado por Luiz Garcia, São Paulo, Ed. Globo, 1992.

6. A Propaganda de Medicamentos e o Mito da Saúde, José Gomes Temporão. RJ Edições Graal, 1986.

7. Manual de Radiojornalismo Jovem Pan, de Maria Elisa Porchat, Ed. Ática, 1989.

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